sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

AS BASES HISTÓRICAS DA PSICOTERAPIA ANALÍTICA DE GRUPO


Foi no início do século XX que a humanidade começou a interessar-se pelos estudos de pequenos grupos, embora possamos encontrar estudos mais remotos onde Mesmer, médico austríaco é citado por volta de 1770 com seu método sugestivo. Realizava sessões de manipulação do magnetismo animal das pessoas onde fazia demonstrações dos fenómenos hipnóticos em grupo, valendo-se de induções hipnóticas mútuas e colectivas e verdadeiras electrizações histéricas em massa.
Podemos dizer que se trata de uma invenção americana do século XX e que entre seus predecessores tinha Joseph Hersey Pratt, tisiologista americano, que em 1905 organizou seu primeiro grupo num sanatório para pacientes tuberculosos no Boston Dispensary. Pratt usava o método didáctico, onde proferia palestras aos seus pacientes tuberculosos, semanalmente, por hora e meia, com um grupo de aproximadamente 20 elementos. Os pacientes mais antigos e que tinham um melhor entendimento eram convidados a sentarem-se a seu lado. Pacientes mais antigos já em alta quando compareciam às reuniões tinham um lugar de destaque.
Nestas palestras, Pratt transmitia informações para ajudar os pacientes crónicos a lidar com sua doença. A partir de observações e percebendo o sucesso do trabalho Pratt e seus associados, estenderam o seu método a pacientes diabéticos e em seguida a pacientes neuróticos. Esse método que mostrou excelentes resultados na aceleração da recuperação física dos doentes, está baseado na identificação desses com o médico, compondo uma estrutura familiar fraternal e exercendo o que hoje chamamos função continente do grupo.
Pode-se dizer que essa constitui uma primeira experiência de terapia de grupo registada na literatura especializada e que embora tenha sido realizada em bases empíricas, serviu como modelo para outras organizações similares, como, por exemplo, os Alcoólicos Anónimos iniciada em 1935 e que ainda se mantêm com uma popularidade crescente.
É fascinante percebermos que na actualidade a essência do velho método de Pratt está a ser revitalizada e bastante aplicada justamente onde ela começou - no campo da medicina, sob a forma de grupos homogéneos de auto ajuda e coordenada por médicos ou por funcionários do corpo médico, não psiquiatras.
Em 1919, Cody Marsh, padre episcopal, tendo entrado na psiquiatria já maduro, utilizou o método grupal com pacientes em contexto hospitalar psiquiátrico, denominado método de classe. Ele dava aulas e fazia provas. Os participantes, chamados de estudantes que por ventura fossem reprovados, eram novamente submetidos ao curso. Ele pretendia que os estudantes tomassem notas, estivessem presentes com pontualidade e atenção. Utilizava também alto-falantes para se comunicar com a população de todo o hospital.
Ele dizia: o doente mental não deve ser considerado como um paciente, mas sim como um estudante que fracassou no grande objectivo da civilização. Talvez possa ser melhor caracterizado pelo seu lema: Pelo grupo multidão, eles foram adoecidos; pelo grupo multidão, devem ser curados.
Em 1921 Edward Lazell, psiquiatra usou o método de Pratt para trabalhar com pacientes esquizofrénicos no St. Elizabeth’s Hospital em Washington D.C. Utilizou debates de grupo, ao longo de linhas psicanalíticas, juntamente com conferências de apoio. Os métodos semelhantes ao de Pratt são chamados de terapias exortivas que agem pelo grupo.
Em 1927, Trigant Burrow, discípulo de Freud e Jung, um dos fundadores da ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA AMERICANA abandonou o divã em favor de pequenos grupos que eram trabalhados ao ar livre. Nesses grupos, o seu trabalho era realizado através de debates com a participação de pacientes, suas famílias e colegas. Burrow, denominou esse trabalho de análise de grupo e visava nessas sessões grupais estudar em profundidade o comportamento social. A posição de Burrow pode ser resumida da seguinte forma:
1. Rejeita a dualidade terapeuta-paciente. Ambos pertencem à mesma sociedade doente, ambos precisam compreender a psicopatologia da cultura da qual sofrem influências. Neste sentido, ninguém é isento desta influência cultural e a própria normalidade individual só poderá ser entendida dentro de um quadro mais amplo;
2. A terapia deve-se concentrar na observação de duas situações concretas: o aqui e agora dos processos em que vive o paciente e os aspectos genéticos do comportamento;Concentração da observação clínica nas manifestações somáticas do stress como ele é, de facto, vivido pelo paciente, objectiva e subjectivamente e não apenas nos processos de comunicação verbal do paciente, pois esta já se apresenta filtrada pelas posições culturais do indivíduo.
Ele procura portanto, o factor global desconhecido na esfera do comportamento humano. Este factor deve estar na base do comportamento, não apenas no sentido genético mas na própria origem psicossocial da evolução individual.
Burrow quis estabelecer a ponte entre as palavras e as acções, entre o sintoma e sua significação baseando-se não apenas na palavra, mas na própria dinâmica do social presente em cada indivíduo. Ele passou da psicanálise de grupo à filo-análise. Por não ser acreditado, Burrow foi expulso da Associação Psicanalítica Americana. Acredita-se inclusive que foi a partir desse facto que Freud abandonou abruptamente os seus estudos do tema da psicologia de grupo, após ter escrito um tratado a respeito do assunto em 1921.
Nessa época Freud editou Totem e Tabu (1913) Psicologia das Massas e Análise do Ego (1921) que deram uma boa contribuição à compreensão das dinâmicas de grupo. Freud diferenciou os grupos sem líder (multidão), dos grupos centrados num líder. Para ele num grupo onde há um líder, os membros identificam-se uns com os outros e têm uma ligação comum com a figura central (psicoterapeuta - figura parental).
Embora Freud não tenha praticado a psicoterapia de grupo, muitas de suas formulações sobre a psicanálise e psicologia de grupo desenvolveram-se do grupo de estudo que ele organizou com os primeiros seguidores. Esse grupo era composto por cerca de 10 membros (entre eles S. Ferenczi, E. Jones e A. Adler). Separaram-se como resultado de diferenças teóricas irreconciliáveis que podem ter sido sintomáticas dos choques de personalidade entre Freud e alguns dos membros e entre os próprios membros. O seu conceito de que o grupo tem a tendência natural a atacar e destruir o membro mais forte (Totem e Tabu) pode ter surgido da experiência do grupo de estudo do qual Freud era objecto de vários ataques hostis da parte de alguns dos membros.
Foi por volta de 1930 que o trabalho de Psicoterapias grupais passou a ser utilizado de maneira planeada com as contribuições de Jacob L. Moreno, Samuel R. Slavson, Fritz Redl, Louis Wender, Paul Schilder e Alexandre Wolf.Wender. Schilder e Moreno eram psiquiatras, mas S.R.Slavson começou como educador progressista e operador de grupo para mais tarde se tornar num psicoterapeuta.
Paul Schilder começou a conduzir grupos psicanaliticamente orientados na década de 30. Entendia que o grupo recriava a família. Usava a técnica de livre associação: enfatizava que os pensamentos e os sentimentos de um membro estimulavam pensamentos e sentimentos, bem como sentimentos associados em outro. Segundo Schilder no setting grupal, os pacientes percebem que os pensamentos e os sentimentos que parecem ser exclusivos, na realidade são comuns a todos.
A abordagem de Wender teve início num contexto de pacientes internados, envolvendo conceitos combinados da psicologia de grupo de Freud (1921) com interpretações de transferências familiares, nas transacções grupais (3).
Moreno, médico romeno, em 1930, introduziu a expressão terapia de grupo. O amor de Moreno pelo teatro, desde a sua infância, propiciou a utilização da importância grupal do psicodrama, bastante difundido e praticado na actualidade.
Frit Redl, um estudioso vienense de August Aichhorn, em 1942 introduziu grupos diagnósticos de crianças após a sua chegada aos Estados Unidos. Isso foi seguido por muitos anos de trabalho pioneiro no desenvolvimento de abordagens grupais ao tratamento de crianças com transtornos graves de ego, em adolescentes em settings residenciais.
Redl também escreveu a respeito de psicologia psicanalítica de grupo e propagou a aceitação da terapia de grupo por seus pares psicanalíticos.
Alexandre Wolf, impressionado pelos trabalhos de Wender (1936) e Schilder (1936) com grupos, também na década de 30, desenvolveu uma abordagem freudiana à terapia de grupo de adultos. Ele utilizou um derivado da associação livre que incluía a análise da transferência, da resistência e dos sonhos. A psicoterapia de grupo teve um crescimento na popularidade durante a segunda guerra mundial. Os psiquiatras militares devido a grande baixa de psiquiatras, forma forçados a utilizar métodos grupais de tratamento por pura necessidade.
Entre os líderes americanos encontravam-se Samuel Hadden, Alexandre Wolf, Irwing Bergen, Donald Shaskan e Eric Berne.
Quanto aos líderes britânicos achavam-se E. James Anthony, S. H. Folkes, Wilfred R. Bion, Joshua Bierer e John Rickman.
Foi durante a segunda guerra em 1942, que as duas principais organizações de terapeutas de grupo, a Associação Americana de Psicoterapia de Grupo, fundada por S. R. Slavson e a Sociedade Americana de Psicoterapia de Grupo e Psicodrama, criada por J. L. Moreno, iniciaram os seus trabalhos e experimentaram seus primeiros arranques de crescimento, durante o decénio seguinte.
O interesse e as contribuições para o estudo de psicoterapias de grupo passaram a crescer em progressão geométrica. Slavson, engenheiro de formação, foi figura de grande importância na terapia de grupo dos anos 30. Ficou mais conhecido pela sua terapia de grupo activa. Observou que a actividade espontânea das crianças, em certos grupos recreacionais produzia mudanças no comportamento. Desenvolveu o método de terapia grupal de actividade, na qual o líder é permissivo e receptivo e as crianças estão livres para interagir espontaneamente.
O facto das crianças verem o terapeuta como figura parental que permitir a expressão de impulsos hostis e agressivos pode ser uma experiência emocional correctiva. Estendeu aos adultos as suas experiências de grupo de crianças. Para ele a psicoterapia de grupo contem os seguintes elementos: transferência, catarse, percepção, prova da realidade e sublimação. Acreditava que o terapeuta devesse ter informação adequada sobre a psicodinâmica e psicopatologia de cada pessoa do grupo.
Para Slavson deve-se prestar especial atenção ao ambiente em que se faz o tratamento. O processo terapêutico, o processo catártico, as numerosas ocorrências e efeitos concomitantes, tais como correcção e reestruturação das forças psíquicas, tudo enfim, na psicoterapia grupal está condicionado pelo ambiente em que esta se efectua. Este ambiente consiste em vários elementos inter-relacionados: a escolha e o agrupamento dos pacientes adequados, a personalidade, as qualificações profissionais do terapeuta e o meio físico. Diz que o verdadeiro grupo de psicoterapia não deve exceder a 8 pacientes.
Slavson afirma que os diversos valores culturais e as forças que condicionam o paciente com relação à família e ao meio social, forjam operações ultra psíquicas específicas e determinam a patologia. O carácter da psicoterapia deve planificar-se e aplicar-se segundo a junção desses factores. É importante salientar que durante a vida inteira Slavson e Moreno mantiveram uma rivalidade intensa e aberta. O conflito que se estabeleceu, envolvendo também os seus discípulos, parece ter começado com a questão da primazia. O que sabemos é que se não houvesse tanta disputa e competição, hoje poderíamos ter, talvez, contribuições mais ricas ainda, com a junção das suas teorias sobre psicoterapias de grupo.
Depois de 1945, numerosos são os nomes que contribuíram para o fortalecimento da psicoterapia de grupo. Um nome digno de nota é Siegmund H. Folkes de origem alemã considerado como líder mundial da psicoterapia analítica de grupo. Teve contactos com Freud e trabalhou sob a orientação de Adler. Transferiu-se para a Inglaterra em 1933, onde em 1952 fundou a Sociedade Grupo-analítica. Seu contacto com a psicologia da Gestalt levou-o a perceber, cada vez mais, o grupo como uma realidade primordial. Foi capaz de integrar uma visão psicobiológica, psicanalítica (manteve-se sempre fiel aos ensinamentos freudianos) e psicossocial.
Contudo, ele dá elevada ênfase aos factores sociais e culturais, que determinarão a mais profunda estrutura do indivíduo. Ele foi um entusiasta da incipiente concepção holística.
Kurt Lewin tratou a psicologia como uma ciência, substituindo conceitos de classe por conceitos de campo. Com formação em física representou a situação psicológica por dois grupos de conceitos: os matemáticos, descritivos e explicativos e os de conteúdo psicológico. Definiu campo psicológico como o espaço de vida considerado dinamicamente, compreendendo tanto a pessoa como o meio. Lewin usou a topologia para representar os problemas relativos aos eventos possíveis ou não num espaço de vida. A importância maior de Lewin está no esforço que desenvolveu no sentido de integrar as ciências sociais aos estudos dos grupos e principalmente de fornecer-lhes um instrumento científico produtivo. Lewin postulava que qualquer indivíduo por mais ignorado que seja, faz parte do contexto do seu grupo social ou de influencia e é por este fortemente influenciado e modelado.
Lewin é considerado o pai da dinâmica de grupo. Durante a década de 50, o campo da saúde mental, inclusive a terapia de grupo, foi assediado por conflitos sem precedentes entre escolas de pensamentos que competiam entre si e reivindicações de hegemonia. A literatura da psicoterapia de grupo da década de 50 mostrou a aplicabilidade do tratamento de grupo a uma ampla gama de settings clínicos, inclusive hospitais gerias e psiquiátricos, clínicas ambulatórias, programas de reabilitação e instituições correccionais.
As contribuições dos praticantes do grupo britânico das relações objectais, tais como Ezriel em 1950 e Bion em 1959.
O trabalho original de Wilfred Bion de 1961 salientou os processos ambivalentes dos membros individuais uns com os outros e com o líder de um grupo. Ele não postulou um instinto gregário ou mente grupal: acreditava que as ideias do tipo que se desenvolvem em grupos, são os produtos da regressão dentro dos membros individuais, que ocorre quando as pessoas são ameaçadas por uma perda de sua distinção individual. Os fenómenos descritos por Bion referem-se muitíssimo ao líder do grupo. Observou que os grupos na sua presença, invariavelmente, pareciam ter-se reunido para dois propósitos: funcionar como um grupo de trabalho ou como grupo de pressuposto básico. Da última categoria, três processos distintos foram inferidos:
*dependência,
*luta-fuga
*acasalamento.
No primeiro caso, o objectivo do grupo parece ser a dependência, onde tome conta deles um líder omnipotente e omnisciente que é idealizado a um nível quase religioso.
O segundo processo inferido no grupo de pressuposto básico é o de luta e fuga, uma função cujo modo primário é a acção e o objectivo do processo é a preservação do grupo a todo custo.
O terceiro processo do grupo de pressuposto básico é o de acasalamento. O objectivo do grupo é o de reproduzir-se. O líder é imaginado como “ainda não nascido” e o futuro é tudo o que conta.
Quanto a escola francesa na década de 60, com os trabalhos de psicanalistas franceses como D. Anzieu, R. Kaës e outros que desenvolveram trabalhos sobre a dinâmica de grupos com um novo enfoque, aprofundaram o conceito de inconsciente grupal, propondo uma série de articulações originais entre o Kleinismo dominante e alguns conceitos psicanalíticos reformulados pela escola de J. Lacan. Com as concepções teóricas desses dois autores, o edifício que abriga as terapias de grupo começa a adquirir alicerces referenciais específicos e representa uma tentativa no sentido das dinâmicas de grupo adquirirem uma identidade própria.
Quanto a escola Argentina podemos citar nomes de psicanalistas como Grimberg, Langer, Rodrigué , Geraldo Stein e Ruben Zuckerfeld. Temos também o nome de Janine Puget que tem estudado e divulgando a moderna “Psicanálise das Configurações Vinculares”, com casais, famílias e grupos.
by Maria Imaculada C. Anacleto

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